Esgotamento Sanitário: direito humano muito longe de ser garantido a todas as pessoas
21 jul 2022

Em 2015, o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu os direitos à água e ao esgotamento sanitário (DHAES) como distintos (Resolução A/RES/70/169). A medida representou um o importante para que o o ao esgotamento sanitário deixasse de ficar em segundo plano, quando comparado às políticas de o à água potável.
Nessa época, o brasileiro Léo Heller era o Relator Especial da ONU para os DHAES (2014-2020). O cargo, recém-criado, tinha sido ocupado pela primeira vez pela jurista portuguesa Catarina de Albuquerque (2008-2014).
Durante entrevista com a diretora executiva do IAS, Marussia Whately, Heller destaca a necessidade de discutir as metas e indicadores de direitos humanos, a importância de abordar as desigualdades com o objetivo de universalizar o esgotamento sanitário e o o a banheiros.
Sua trajetória profissional integra-se com a participação política, iniciada desde o movimento estudantil. Formou-se engenheiro civil em 1977, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde fez o mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e concluiu doutorado na área de Epidemiologia, na Escola de Veterinária. Heller realizou pós-doutorado na University of Oxford.
O brasileiro é Doutor Honoris Causa pela University of Newcastle e, desde 2014, é pesquisador do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas). Sua produção científica reúne cerca de uma centena de publicações no formato de livros, artigos em periódicos e trabalhos em eventos.
50% da população sem esgotamento sanitário adequado
Para Heller, é inaceitável que metade da população mundial e brasileira não tenha o a esgotamento sanitário de forma segura. “É pensar no século XIX dentro do século XXI”. Cerca de 107 milhões de brasileiros não contam com serviço de esgotamento adequado, segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2017. De acordo com o documento, 86 milhões têm o à água de forma precária.
O professor explica que a maior defasagem dos serviços de esgotamento sanitário, quando comparados aos de água, fez com que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas decidisse reconhecer os direitos como distintos, porém, integrados. “Reconhecê-los como direitos distintos significa que é possível explorar a ideia de direito ao saneamento (esgotamento sanitário) desvinculado, não necessariamente acoplado ao direito à água”.
Populações vulneráveis negligenciadas
O professor ressalta que o o ao banheiro e o direito humano ao esgotamento sanitário são muito imbricados, por isso a questão deve ser vista à luz dos direitos humanos. “É muito importante identificar quem não tem banheiro. O tema dos espaços públicos é, por exemplo, uma área ignorada, invisível para os gestores, e a população em situação de rua em várias partes do mundo é muito elevada e tem crescido muito no contexto da pandemia. É uma população que raramente tem o a banheiros públicos adequados”.
Outro ponto que merece atenção é a relação de gênero no o ao banheiro. “Não devemos deixar de lado o o das pessoas transgêneros e a necessidade de haver banheiros que respeitem sua identidade, orientação sexual. É um tema que merece muita atenção dos direitos humanos: como assegurar que essas pessoas usem banheiros sem que sejam submetidas a bullying, à estigma, à violência”. O tema tem sido discutido em países em que esteve enquanto Relator Especial da ONU.
Não ter serviço de esgotamento sanitário tem mais implicações para a vida, a dignidade humana, a saúde e a igualdade de gênero. “Quando não existem banheiros ou serviços de esgotamento sanitário adequado, mulheres e meninas pagam um preço muito mais alto em termos de sua segurança, dignidade e privacidade”, explica.
“Ter o ao esgotamento sanitário que cumpra com os requisitos dos direitos humanos significa ter o a instalações que estejam disponíveis e íveis para todas as pessoas, independentemente de sua idade, orientação sexual, status migratório, se vive em assentamento informal, área rural, se tem deficiência física. Esse o deve ser assegurado a todos.”
Clique na imagem a seguir para conhecer os cinco princípios dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário:
Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário na prática
Como saber se os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário estão sendo respeitados? O ex-relator explicou que o o à água deve ser contínuo, com quantidade suficiente para os usos pessoais e domésticos (beber e cozinhar, lavar roupa, disposição dos dejetos e higiene pessoal e doméstica). A água precisa também ser adequada para consumo e outros usos. Já o esgotamento sanitário deve ser seguro do ponto de vista higiênico e técnico. Para a higiene, é essencial ter o à água para a limpeza e a lavagem das mãos.
Além disso, as instalações devem ser aceitáveis do ponto de vista cultural, com atenção às especificidades de gênero quanto à intimidade, segurança e dignidade. “As instalações devem ser compatíveis com as tradições: das pessoas, do local onde vivem, ou povos os quais elas integram. As instalações e serviços de água devem estar disponíveis para uso, ao alcance de toda a população”, detalha.
O abastecimento deve ser suficiente, seguro, aceitável e ível nas proximidades dos domicílios, escolas, centros de saúde e outras instituições e lugares públicos. A segurança física, especialmente das mulheres e crianças, deve ser assegurada durante o o aos serviços, que precisam contar com instalações apropriadas. Serviços e instalações de água devem estar ao alcance de todos, todas e todes, com custos e encargos diretos e indiretos íveis, sem comprometer o exercício de outros direitos humanos. “Ninguém deve ser privado do o aos serviços por não ter capacidade econômica de pagar uma tarifa ou de arcar com os custos, por exemplo”, finaliza.
Clique na imagem a seguir para conhecer os critérios dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário:
De acordo com Léo Heller, além dos cinco critérios dos DHAES, no caso do direito ao esgotamento sanitário, acrescentam-se privacidade e dignidade. “Também utiliza-se, além do conteúdo normativo, os princípios dos direitos humanos: da igualdade, da participação ativa livre e significativa, do o à informação e da realização progressiva”.
Nenhum governo é obrigado a sair de uma taxa de 30% para 100% em um dia, pois entende-se que é necessário um período de planejamento, mas que, por outro lado, não ite-se retrocessos. “Países que têm reduzido seus investimentos, que têm diminuído a proporção de pessoas com o, ou em outras palavras, que não acompanham o crescimento demográfico. Ou os que desconectam as pessoas que não podem pagar podem ser enquadrados na condição de países violadores de direitos humanos.”
Veja entrevista na íntegra, a seguir:
Este conteúdo faz parte de uma série de entrevistas realizadas com os Relatores Especiais da ONU para os DHAES. Veja também a nota sobre a entrevista com Catarina de Albuquerque, relatora entre os anos 2008 e 2014. Na sequência, traremos a conversa com Pedro Arrojo, pesquisador espanhol e atual Relator Especial da ONU para os DHAES.
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